segunda-feira, 12 de outubro de 2009

demasiado tempo depois, estou novamente a fazer o gosto ao cérebro :)

"A viagem não teve história, é o que sempre dizem os narradores apressados quando julgam poder convencer-nos de que nos dez minutos ou dez horas que vão fazer sumir nada sucedeu que merecesse menção assinalável. Deontologicamente, seria bem mais correcto, e outra lealdade, dizer assim, Como em todas as viagens, sejam quais forem duração e percurso, aconteceram mil episódios, mil palavras, mil pensamentos, e quem disse mil diria dez mil, mas o relato já vai arrastado, por isso tomo licença de abreviar, usando três linhas para andar duzentos quilómetros, fazendo de conta que quatro pessoas dentro de um automóvel viajaram caladas, sem pensamento nem movimento, fingindo elas, enfim, que da viagem feita não fizeram história. Neste nosso caso, por exemplo, seria impossível não encontrar alguma significação no facto de ter Joana Carda, com toda a naturalidade, acompanhado José Anaiço quando ele foi ocupar o lugar de Joaquim Sassa, a quem apeteceu descansar do volante, e de, não se sabe por que ginásticas, ter ela conseguido acomodar o pau de negrilho à frente, sem embaraço para a condução nem prejuízo da visibilidade. E torna-se agora inútil dizer que ao voltar José Anaiço para o banco de trás foi Joana Carda com ele, e assim passou a ser sempre, onde estava José, Joana estava, embora nenhum deles, por enquanto, saiba dizer porquê e para quê, ou, sabendo-o já, não se atreveriam, cada momento tem o seu sabor próprio, e o deste ainda não se esgotou."

in A Jangada de Pedra, de José Saramago

3 comentários:

xlifes disse...

Então, o cérebro voltou a ficar de castigo ou só não estás a partilhar? :P

curiosidade: escreveste mesmo tudo isto ou fizeste copy&paste?

betinha disse...

o cérebro já não está de castigo não, o tempo livre é que não abunda! lol há sempre qq coisa...
mas o cérebro anda bem mais livre! ;)

resposta: escrevi mesmo tudo. ;)

xlifes disse...

Olá :)